Thursday, August 19, 2004

Há precisamente um ano atrás eu escrevia este texto pela ocasião do brutal assassinato do diplomata Sérgio Vieira de Melo no Iraque, aquando da sua missão a cargo das Nações Unidas neste país. Um ano passado e vivendo num Mundo onde tudo se transforma para pior creio que o texto continua actual. E fica também aqui presente, a homenagem a este grande diplomata que perdeu a sua vida por acreditar e lutar na defesa e no respeito pelos Direitos Humanos.

19 de Agosto de 2003

Ao longo do nosso desenvolvimento como indivíduos, muitos são os exemplos que queremos seguir, seja a nível pessoal, como a nível profissional. Admiramos o que fazem, como fazem e quando o fazem, e esperamos que um dia seja esse também o nosso próprio modo de actuar ou de aplicar essa forma de encarar o Mundo à nossa própria, para também nós um dia deixarmos a nossa própria marca pessoal na área em que actuamos.
Entre outros, para mim Sérgio Vieira de Melo foi um desses exemplos. Tanto a nível pessoal, área que sempre soube manter afastada dos ecrãs, como especialmente a nível profissional, área que teve o privilégio de o ter como membro.
Ser capaz de estar colocado nas mais diversas áreas do Mundo sempre em situações críticas, e em que se vive permanentemente num estado de ansiedade, e mesmo assim manter uma postura profissional invejável é de facto um feito notável.
Não posso dizer que desde sempre acompanho o caminho deste diplomata, pois a primeira vez que tomei o seu conhecimento foi através do excelente trabalho a mando das Nações Unidas nos territórios da Ex-Jugoslávia, seguindo depois para um caso que ficou mais na memória colectiva portuguesa, como foi o caso de Timor, onde alcançou um magnífico desempenho como gestor de transição do território das mãos das Nações Unidas, para a independência daquele território.
Agora como Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e responsável desta organização para o Iraque, chegou infelizmente a sua vida a um fim. Mais uma vez fica o Mundo, e todo o trabalho e empenho de um indivíduo que lutou pela liberdade e igualdade dos povos abalados pela barbárie daqueles que no reverso se empenham em ter e em viver ódio por aqueles que querem essa mesma liberdade.
Para vocês que lêem este texto, não sei se isto se baseou apenas em mais uma notícia sem importância, mais uma daquelas que enche um noticiário, já tão cheio de barbáries, que esta foi “apenas” mais uma a passar na televisão, numa sociedade onde já se passa tanto e de tão pouca qualidade que nem merece a nossa atenção reter mais uma notícia. Mas realmente para mim este é aquele tipo de informação que me perturba profundamente.
Perturba-me em primeiro lugar por ainda ser uma área, na qual eu acredito já se ter feito muito e ainda se poder fazer muito mais. A área dos Direitos Humanos, Minorias e Refugiados, que a si está implícita, é uma área que nunca poderá fechar, infelizmente, portas. É uma área em que todos nós temos de estar de olhos abertos e saber apontar o dedo por cada vez que vemos ( e vemos ) que esses mesmo Direitos de um indivíduo, comunidade, região ou país são ou estão a ser violados. Incomoda-me por ver que aqueles que estão encarregues de promover os interesses e Direitos daqueles que são perseguidos ou incomodados na sua livre expressão, têm sempre o seu caminho barrado por alguém. E esse alguém nunca usa as mesmas tácticas leais e legais de discordar daquilo que se faz. Em vez de dialogar, discute-se. Em vez de confrontar ideias, mata-se.
Isto sim, a mim incomoda-me, perturba-me e deixa o meu Mundo abalado. Espero sinceramente que deixe também o vosso, porque se for eu o único a pensar que isto é perturbante, então sim, ponho realmente em causa se vale a pena continuar a pensar que eu talvez não possa contribuir de alguma forma para o respeito daqueles que, sob os regimes totalitários e ditatoriais, não são respeitados, e são deslocados e desprovidos do respeito pelos seus direitos, sejam eles cristãos, islâmicos ou hebraicos. Europeus, Africanos ou Americanos.
Por isto, que a memória de Sérgio Vieira de Melo, e outros como ele, diplomatas ou não, viva de alguma forma nas memórias de vocês que lêem isto, e que como eu, ainda acreditam que é possível poder lutar pela defesa e respeito dos Direitos Humanos. Lutar pela Paz. Pelo pouco que valha o meu pedido, peço-vos que acreditem nisso, em memória dos que levantam a voz em defesa de outros, sem olhar para a cor da pele, para uma opção política, religiosa ou sexual, mas que olham sim para indivíduos.
É esse o legado e o contributo que Sérgio Vieira de Melo me deixou. Agradeço a todos a atenção para este meu desabafo.

2 comments:

Paulo Peralta said...

E felizmente para NÓS que ainda vão aparecendo pessoas como Vieira de Melo...

Paulo Peralta said...

Quando escrevi este post recebi nos dias seguintes dois importantes comentários. Ainda sem autorização das ditas pessoas vou aqui publicá-los, e devidamente os avisarei que os coloquei, por isso espero que não haja problema ;)
Aqui vão:

" Data: Fri, 29 Aug 2003 11:56:08 +0000
De: pedro silva

Pelo homem, pelos valores, pela pessoa, pelo legado, e pela brilhante carreira em prol de causas nobres, não deixo de pensar que naquele local e naquela hora, podia lá ter estado George.W.Bush no lugar de sergio vieira de melo, não se perdia tanto ....

Pedro Silva "

e

" Data: Fri, 29 Aug 2003 18:37:24 +0100
De: Nuno Matos

Paulo, gostei muito de ler este teu...desabafo...e não posso estar mais de acordo contigo. Vou reenviar este mail para todas as pessoas que conheço para que também possam reflectir sobre o mesmo.
Já reparaste que quem também esfregou as mãos de contente de certo modo no meio desta tragédia foram os americanos, já que pelos vistos quem vai ficar no lugar do Vieira de Melo é um Americano, que ao fim ao cabo era mesmo o que eles queriam. Faz-nos pensar...

Um abraço
Nuno Matos "

Mais uma vez agradeço aos dois a vossa atenção :)